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De acordo com o glossário do Educamídia, programa criado para engajar toda a sociedade no processo de educação midiática de crianças, adolescentes e adultos no Brasil, desinformação é todo conteúdo falso, impreciso, tendencioso, distorcido ou fora de contexto, criado de forma intencional ou não.

A desinformação representa um dos desafios mais sutis e perigosos atualmente porque raramente se apresenta como mentira explícita. Seu poder de persuasão está na mistura calculada de informações falsas com elementos verdadeiros ou meias-verdades, criando um mosaico de aparente credibilidade que confunde até os públicos mais críticos.

O que torna esse fenômeno estruturalmente danoso é sua dualidade de origem: pode ser tanto produto de uma ação intencional – como campanhas de descredibilização ou manipulação política – quanto resultado de vieses estruturais, como a reprodução acrítica de informações mal contextualizadas, o que vou chamar aqui de mito. Enquanto uma notícia claramente falsa pode ser desmontada com evidências objetivas, a desinformação sofisticada se protege sob o manto da razoabilidade, exigindo não apenas checagem de fatos, mas análise de intenções, contextos e omissões estratégicas. É essa camuflagem que a transforma em uma ameaça persistente – e por vezes invisível – ao debate público qualificado.

A desinformação não é um fenômeno novo, mas, na era da infodemia, tem ganhado proporções gigantescas, visto que qualquer pessoa pode se tornar um agente desinformador – muitas vezes sem se dar conta. Isso ocorre quando validamos informações (ou, sejamos sinceros, apenas manchetes) sem considerar todos os ângulos de uma mesma história, o que a autora Chimamanda Ngozi Adichie denomina ‘o perigo de uma história única’, em seu livro homônimo. Aliás, fica aqui a recomendação dessa leitura fundamental.

Vivemos embolhados, isso é fato. O campo da saúde tende a lidar com boatos que, por exemplo, dificultam a doação de sangue ou a vacinação. Já nos estudos sobre criatividade é frequente ter que reforçar que não se trata de um dom e não está direcionada apenas ao campo das artes. Toda bolha informacional tem suas desinformações de estimação.

O que me motiva a escrever hoje, contudo, são os persistentes mitos e desinformações que circulam sobre a Educação a Distância (EaD). As narrativas frequentemente veiculadas na mídia apresentam um cenário distorcido, que pouco reflete a realidade experienciada tanto por estudantes quanto por profissionais que atuam diretamente com essa modalidade educacional. Na minha perspectiva, a EaD transcende a classificação de simples modalidade de ensino, constituindo-se como uma solução educacional viável para vários desafios contemporâneos – particularmente aqueles relacionados à democratização do acesso à educação.

Um discurso com informações não apuradas, repetido à exaustão e compartilhado sem questionamento é a fórmula perfeita para a criação de mitos sobre um tema. É o que se percebe ao ler uma manchete que afirma que “formar professores on-line é como treinar cirurgiões pelo YouTube”. A preocupação da autora do texto, que se inicia com esse título, diz respeito ao crescimento da EaD na formação inicial docente. Embora seja uma preocupação válida, sua forma de apresentação pode levar à desinformação, pois ignora nuances importantes do cenário e reforça preconceitos e estereótipos que precisam ser combatidos.

O texto publicado em um dos maiores jornais em circulação do país, o jornal O Globo, lembrou-me de um post que escrevi no ano passado para um dos meus perfis nas redes sociais. Evidentemente não tenho o alcance que um grande veículo de mídia tem, mas mesmo assim decidi pautar no post os mitos sobre Educação a Distância. Escrevi após a leitura do Censo EaD.BR 2022 que é o relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil, resultado de pesquisa conduzida pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), a partir de dados colhidos com 84 instituições, cujo objetivo é identificar as práticas mais comuns e as tendências em EaD no Brasil.

Os dados do relatório me ajudaram a desconstruir três grandes mitos sobre Educação a Distância naquela época. Agora, ao ler o artigo do jornal, comparei os dados da pesquisa com as informações levantadas pela autora. O resultado dessa comparação é o que gostaria de compartilhar com você que está lendo.

Um dos principais pontos do artigo do jornal reforça um mito sobre EaD que é a comparação depreciativa com o treinamento de cirurgiões por YouTube. Essa analogia simplista e alarmista sugere que a formação de professores on-line seria inadequada e carente da prática essencial, ecoando o mito de que não existe prática e interação na EaD.

Os dados do Censo EaD.BR 2022 desconstroem esse mito, apontando que 75,9% dos cursos EaD no Brasil possuem polos para interação presencial e 50% investem em laboratórios virtuais para atividades práticas remotas. Além disso, 53,57% dos respondentes afirmaram promover trabalhos colaborativos e 47,62% criaram situações para aplicação do conhecimento. Esses dados contradizem a ideia de uma formação docente on-line puramente teórica e sem engajamento prático, como o texto no jornal tenta fazer parecer.

Outro elemento problemático no texto é a afirmação de que as licenciaturas em EaD são “baratas e pouco exigentes”. Essa alegação contribui para um segundo mito: o de que o conteúdo EaD não tem qualidade. No Censo EaD.BR 2022, encontramos dados que mostram que 40% das instituições revisam seus conteúdos a cada ciclo avaliativo e 25% semestralmente, o que demonstra preocupação e investimento constante na qualidade desses recursos. Esses dados sugerem que, embora possa haver cursos de qualidade variável em EaD (assim como no presencial), generalizar como “pouco exigentes” é desinformativo e não reflete as práticas de cursos bem avaliados.

Os dados do relatório mais recente, o Censo 2023, focado em cursos com nota máxima no Enade, também oferecem insights sobre as práticas de EaD relacionadas à qualidade. O relatório revela que cursos EaD bem avaliados se apoiam em uma interação aluno-tutor e aluno-aluno intensa e mediada por tecnologia. Além disso, esses cursos apresentam alta presença de mestres e doutores no corpo docente, e equipes multidisciplinares que incluem profissionais de design instrucional e edição de vídeo. Os alunos são solicitados a realizar atividades diferenciadas e recebem orientação no decorrer do processo de aprendizagem.

Embora o Censo EAD.BR 2023 não se foque especificamente na formação de professores em nível inicial, ele demonstra a capacidade da modalidade EaD de alcançar resultados de aprendizagem considerados de alta qualidade pelo MEC, conforme atestado pela nota 5 no Enade. Isso sugere que a modalidade, por si só, não é um impedimento para a qualidade, embora a implementação pedagógica e o investimento institucional sejam fundamentais para esse fim.

Finalmente, a afirmação de que nos países com melhor desempenho no PISA a formação on-line de professores é limitada ou proibida pode ser questionável se não for devidamente contextualizada. As práticas pedagógicas e os sistemas educacionais variam significativamente entre os países. Insistir em uma comparação descontextualizada pode levar a um fenômeno muito comum em processos de desinformação: a falsa equivalência, que ocorre quando se comparam cenários completamente desproporcionais como se tivessem o mesmo peso ou validade.

Em resumo, o artigo publicado em O Globo acerta ao alertar para a necessidade de qualidade na formação docente, mas erra ao demonizar a Educação a Distância como um todo. A EaD não é inimiga da educação de qualidade – a má gestão e a falta de fiscalização é que são. Dados comprovam que, quando bem aplicada, a modalidade pode ser tão eficaz quanto a presencial. O desafio não é escolher entre um ou outro, mas garantir que ambos possam atender aos critérios de qualidade.

Utilizar analogias simplistas e generalizações negativas só nos leva a reforçar mitos e contribuir para a desinformação ao não reconhecer a diversidade de abordagens e o potencial de qualidade existentes na EaD, como nos revelam os dados dos Censos EAD.BR. Uma análise midiaticamente alfabetizada buscaria apresentar uma visão mais equilibrada e baseada em dados sobre as potencialidades e desafios da Educação a Distância.

Esta ilustração caprichosa apresenta um laptop com um rosto amigável, completo com olhos alegres e bochechas coradas. Ao lado do laptop, um homem de palito está sentado em uma almofada, segurando uma caneca de café fumegante. O sol brilha no canto superior direito, e há um pedaço de papel no chão. A imagem transmite uma sensação de relaxamento e produtividade em um ambiente aconchegante.
Imagem gerada com auxílio de inteligência artificial.

Karla Vidal

Karla Vidal é sócia da Pipa Comunicação onde atua há mais de 19 anos em projetos inovadores que unem comunicação, design e educação. também é Google Certified Educator,Google Innovator e Fellow do programa Educamídia.

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